Deus entrou em casa de Newton, no rés-do-chão. O vestíbulo é grande e frio. Ao fundo, o lume arde numa lareira muito simples. Há uma criada a dormir no escabelo, com a cabeça mergulhada entre as coxas nutridas. O fumo sobe devagar de uma marmita. Um rato friorento trepa pelo pescoço da criada e esconde-se-lhe na cabeleira quente. E eis que Deus entra no gabinete de trabalho de Newton, quarenta e quatro degraus acima. É uma sala na qual, em virtude de um comum acordo entre Newton e os mais, ninguém fala. Newton acumulou durante toda a sua vida silêncio e mais silêncio nessa sala imensa. Silêncio de todas as partes do globo e de todas as épocas. Há silêncio jónico, silêncio conjugal, silêncio do mar da China e dos cumes dos Alpes. Mas entre duas finas placas de prata Newton guarda a alegria da sua alma, a suprema felicidade da sua colecção: o silêncio que o suplício de Tântalo deixa desenrolar-se.
A partir de Jogos da Noite, o tema da solidão ir-se-á impondo nos livros de Dagerman, substituindo assim a angústia como tema principal e como ponto de partida da reflexão das personagens. A confiança que foi perdendo nas capacidades de regeneração da actividade humana, brutalmente submetida ao trabalho, conduziu-o a uma morte voluntária, aos 31 anos.
- tradução Miguel Serras Pereira
- 1.ª edição 1992
- páginas 198
- isbn 972-608-062-2
*O preço final inclui 10% de desconto da editora (válido até 31/12/2024)
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