Um Sétimo Homem | Ípsilon (Público) | Recensão de José Marmeleira

Um Sétimo Homem | Ípsilon (Público) | Recensão de José Marmeleira

«"O álbum está vivo". Foi assim que, em 2010, o escritor, ensaísta e crítico de arte John Berger (1926-2017) descreveu Um Sétimo Homem (1975), obra realizada e publicada em 1975 com o fotógrafo suíço Jean Mohr (1925-2018). Porventura, também hoje, o leitor reconhecerá a justeza de semelhante descrição. As palavras e as imagens do livro que a Antígona publicou, com tradução e posfácio de Jorge Leandro Rosa, retratam uma experiência que, mais ou menos distante, permanece connosco. Nos jornais, na televisão, nas ruas, na cidade. A dos migrantes, com as suas esperanças e os seus sonhos, as suas aflições e os seus pesadelos.

[...] Um breve folhear das páginas identifica a época. O século XX, primeiro quarto dos anos 70, a construção acelerada da Europa económica e a crise, que viria afirmar o neo-liberalismo, ao virar da esquina. Retratos de homens, espanhóis, turcos, gregos. Podiam ser portugueses, há mesmo um português (as mulheres também aparecem, mas nota Berger, "escrever adequadamente sobre a sua experiência exigiria outro volume. Esperamos que venha a existir"). Vêmo-los na construção civil, em túneis, em fábricas, nas cozinhas, nas ruas, nos dormitórios, nos seus quartos mínimos onde dormem. Empregados das cozinhas, de limpeza, a dar os corpos às máquinas, em Genebra, Estugarda, Viena, Lyon, Frankfurt. Uma Europa noutra Europa.

[...] Em fotografias, à volta e entre palavras, O Sétimo Homem não se fecha a recém-chegados. Nas histórias que conta, também fala (sem o dizer) dos migrantes africanos que construíram Lisboa, dos paquistaneses e nepaleses que trabalham no Alentejo, de todos aqueles que, citando John Berger, experimentaram "a coragem da partida, a resistência necessária para o caminho, o choque convite mítico e posterior para vir e integrar-se, as mortes lá longe, o negrume das noites no estrangeiro, a orgulhosa obstinação em sobreviver". Por que apesar das circunstâncias singulares, das transformações ocorridas até 2020, há fenómenos que persistem. Aquele tempo ainda é este tempo, o do migrante sob as condições do capitalismo e da impiedosa mercantilização dos homens.

[...] Mas quando música acaba, tudo volta a ser desprovido de sentido, inclusive o dia do regresso ao país de origem. "Pela primeira desde há um ano, ele é visto o como desejável. Pela primeira vez desde há um ano pode permitir ser-se afável, mas o seu regresso definitivo será sempre mítico, preso ao domínio das preces e das orações", conclui o crítico de arte e escritor. Ou, acrescente-se, enquanto não tiver uma casa, enquanto não resgatar o seu nome, de pai, de cidadão, de homem. Enquanto continuar a ser apenas um trabalhador que não se cansa, que não morre, que não nasceu. Essa é a gesta do migrante, heróica, digna e desesperada, que continua a ser ouvida e contada. Até quando?»

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