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Dos Nossos Irmãos Feridos | Ípsilon (Público) | Recensão de Gonçalo Mira | ★★★★½
«O romance de estreia de Joseph Andras é uma obra maior. Um pequeno diamante polido: curto, de linguagem simples, mas com uma aura poética exacerbada pela mestria e pelo comedimento com que se apresenta.
Publicado em 2016 em França, Dos nossos irmãos feridos foi bafejado pelo mediatismo ainda antes de chegar às livrarias. A lista de quatro finalistas para o prémio Goncourt de primeiro romance foi conhecida no dia 5 de Abril desse ano mas, pouco mais de um mês depois, a 9 de Maio, o júri, presidido por Bernard Pivot, surpreendeu ao anunciar que o vencedor era, digamos, uma carta fora do baralho: um livro que não constava dessa lista de finalistas. Dos nossos irmãos feridos só seria oficialmente lançado no dia 11, dois dias depois do anúncio do prémio, mas nem isso, nem o facto de não constar da lista de finalistas, impediu o júri de lhe atribuir a distinção.
Joseph Andras, nascido em 1984, tinha então 32 anos. Sabendo que o júri teria o seu livro em consideração, comunicou à sua editora que não iria a Paris para a cerimónia, convencido de que isso bastaria para que o desconsiderassem para o prémio. A editora esteve presente na cerimónia e ouviu, da boca do júri, o anúncio do vencedor. Disse que Andras não apreciava o mediatismo, motivo pelo qual não se encontrava presente, mas que estava feliz por ser o vencedor. Dias depois, Joseph Andras viu-se forçado a contradizer a sua editora, recusando o prémio, com a justificação de que não aprovava a institucionalização da escrita nem a ideia de competição.
[...] Se há um defeito a apontar a esta obra é apenas o de ser tão curta. A prosa encantatória de Joseph Andras — os diálogos metidos sem marcação a meio dos parágrafos, as imagens poéticas a despontarem sem aviso — deixa-nos órfãos ao fechar o livro. Podia ter contado a infância de Iveton, o início da sua militância, a sua amizade com Henri Maillot (outro militante anti-colonialista), a sua relação com o filho de Hélène, que Fernand adoptou como seu. Podia ter sido mais, sim, mas naquilo que é, o romance de estreia de Joseph Andras não falha em nada, é uma obra maior. O livro foi adaptado ao cinema em 2020 por Hélier Cisterne, com estreia comercial em 2021, mas ainda sem notícias da sua chegada a Portugal.»