Charles Bukowski

Bukowski, o obsceno; Bukowski, o bebedolas; Bukowski, o femeeiro; Bukowski, o bulhão; Bukowski, o anti-herói; Bukowski, o bom malandro –
e o mau; Bukowski, vadio e boémio; Bukowski, o filho-da-puta de coração mole; Bukowski, o Chinaski; Bukowski, quem?

Henry Charles Bukowski Jr. nasceu Heinrich Karl Bukowski na Alemanha, em 1920, e, em 1923, já estava a viver nos EUA. Começou a escrever muito cedo, embora apenas se tenha afirmado literariamente tarde na vida. Entretanto, arrastou-se de trabalho em trabalho, até chegar aos Correios, onde acabou por foçar catorze anos, no total. Essa experiência ajudou-o a construir o mito que o alistaria na geração Beat (ainda que o próprio não tivesse corroborado quaisquer filiações) e a fabricar o seu primeiro romance, Correios (Post Office, 1971), protagonizado pelo carteiro Henry «Hank» Chinaski. Aqui, é possível entrar no reino do Bukowski lendário e literário – ou seja, no primitivo feudo dos excessos, sob o olhar irónico e cínico do vassalo.

De facto, o estilo boçal exerceu fascínio bastante nos jovens em busca de ídolos para fácil identificação, mas – e além disso? Se os epítetos que lhe granjearam a fama não impressionam nem constituem temas novos na literatura, vale-lhes a prosa directa e acessível, sem rebuscadas flores de retórica. Daqui decorrem passagens tão banais como o nosso mais vulgar quotidiano, e é esta capacidade de vir ao nosso encontro, mesmo quando eufonicamente choca connosco, que leva Bukowski a ultrapassar o seu próprio mito e o seu próprio espectáculo.

Claro que nós, leitores, continuaremos a topar, em Bukowski, com bebedeiras, mulheres, zaragatas, eventuais rebates de consciência, enfim, com os trambolhões na vida – os lugares-comuns empreiteiros de imagens, neste caso, da imagem do escritor e do homem, o que não é literatura. Se não formos capazes de ver, não seremos capazes de ler – na literatura, como na vida, não é possível ler sem ser lido. Don’t try, faz saber a lápide de Bukowski; na realidade, um modo de nos desafiar a tentar sempre, uma e outra vez, até chegarmos ao fundo e ao início de nós mesmos – à raiz. A literatura está aí; e a literatura está aqui.

Carla da Silva Pereira