Começou a ouvir distintamente o tropear de gado, num volume sonoro que o espezinhou obrigando-o a atirar-se ao chão e a escavar sofregamente um buraco na terra. Deus apareceu logo nesse buraco, muito teso, como se não fosse ele. E chamando Estêvão pelo nome, que ecoava como um arco retesado, fazia rugir a boca, muito aberta, e dentro dela um descampado onde mugiam filas de vacas, paralelas e perdendo-se em linhas no horizonte, sobre cujo lombo se desfraldavam bandeiras nacionais, de clubes e de empresas, tudo à mistura, sopradas por um vento forte que começou a agir com violência e a soar como açoites e a silvar com quanta fúria tinha, à mistura com mugidos amplificados que pareciam anunciar chuva da grossa.
Nas franjas indefinidas de uma sociedade que avança, absurda e doente, para o abismo que superiormente cria e quer, vão surgindo, às apalpadelas, núcleos de gente em busca de sentido. De um sentido central, que clama a partir da entidade viva que é o solo. Entre os que migram da cidade para o campo, em busca de uma utopia à mão de semear, o naturalista Estêvão Vao exprime uma oposição liminar à demência do astronauta, ao paradigma que corporiza a indigente ambição de se viver na Terra fora da terra.
- Desenhos a tinta-da-china José Miguel Gervásio
- 1.ª Edição 2017
- Páginas 176
- formato 13,5 x 21 cm
- ISBN 978-972-608-287-3
*O preço final inclui 10% de desconto da editora (válido até 31/12/2024)
NÃO APLICÁVEL NOUTRAS CAMPANHAS EM CURSO