Rentrée | o que vamos publicar até ao fim do ano

 

 

Recarregámos a serotonina nas férias e nas feiras. Até ao fim do ano, vamos continuar a transmitir-vos a nossa contagiante paixão pelos textos subversivos, a empurrar as palavras contra a ordem dominante e a mostrar-vos obras que contribuem para a compreensão dos acontecimentos que mudam a sociedade e as nossas vidas.

 

Eis a nossa colheita da rentrée, com notas de insolência e aroma a subversão.      

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

 

Reúnam-se em Meu Nome
Maya Angelou

21 de Agosto

romance

tradução Tânia Ganho
ilustração da capa Luís Henriques

 

Em Reúnam-se em Meu Nome (1974), Maya Angelou prossegue o ciclo autobiográfico iniciado em Sei porque Canta o Pássaro na Gaiola. No limiar entre a adolescência e a idade adulta — atraída pelas luzes dos palcos de Chicago, pelo submundo de São Francisco, e regressando ao Arkansas da infância, entre biscates e amargos desaires —, «caminhara à beira do precipício e vira tudo». Relato de uma luta travada diariamente como mãe e mulher negra no pós-guerra, centra-se na procura de um lugar no mundo e na coragem necessária para sobreviver numa sociedade hostil. 

 

Carta Aberta
Goliarda Sapienza

11 de Setembro

tradução Manuela Gomes
posfácio Angelo Pellegrino

 

 

Carta Aberta (1967), primeiro livro de um ciclo que Goliarda Sapienza intitularia «Autobiografia das Contradições», é um ajuste de contas com o mundo, pela mão de uma das escritoras italianas mais apaixonantes do século xx. Fruto de um conflito interior e da necessidade de indagar o passado — quando da boca dos adultos brotavam mais mentiras do que verdades, e os pais «combatiam o fascismo com a mesma rigidez e a mesma retórica dele» —, a obra centra--se nos tempos de infância e juventude na luminosa Catânia. Ao sabor das lembranças, recupera as mulheres sicilianas que moldaram a autora, as superstições inspiradas pelo Etna, a morte do pai e a loucura da mãe, entre traumas da guerra e da ditadura. Carta Aberta é um balanço de vida, um «combate entre esta criança e o grande conformista escondido nas minhas veias», sabendo que, para renascer das cinzas, urge antes «alcançar o fundo da desordem» e desembaraçar-se de muito do que nos habita. Inclui um posfácio de Angelo Pellegrino, último companheiro de Goliarda Sapienza e impulsionador da publicação póstuma dos seus textos.

 

Goliarda Sapienza (1924-1996), romancista e poeta, é um dos espíritos mais livres e insubmissos da literatura italiana do século passado. Oriunda do meio anarquista siciliano, cresceu no seio de uma numerosa família militante e antifascista. Educada em casa e no abandono feliz das vielas de San Berillo, no cinema do bairro e nas olorosas osterias, troca a Catânia por Roma, em 1941, onde ingressa na Academia de Arte Dramática. Actriz em filmes de Visconti e Maselli, viveu na clandestinidade quando a guerra eclodiu, conheceu hospitais psiquiátricos, depois de várias tentativas de suicídio, e, em 1980, a prisão, experiência que relata em L’università di Rebibbia (1983). Na obra que nos legou, tão intensa como a sua biografia, destaca-se A Arte da Alegria, romance considerado imoral e rejeitado em Itália por vários editores. Alimentava-se da dúvida num mundo que apregoava certezas, e sempre se regeu pelo inconformismo e pela máxima liberdade. 

 

Acreditar nas Feras
Nastassja Martin

25 de Setembro

tradução Luís Leitão

 

Prémio François Sommer-Musée de la Chasse et de la Nature 2020 | Prémio Joseph Kessel 2020 | Prix du Réél 2020

«Uma exploração fascinante e ambiciosa do animismo e da fronteira entre humano e animal.» John Self, The Guardian

«Um livro surpreendente de metamorfoses, um híbrido entre antropologia e literatura, o registo de uma viagem interior e um convite ao leitor para ver o mundo de uma maneira completamente diferente.» Sophie Joubert, L’Humanité

Acreditar nas Feras (2019) é a história do encontro brutal entre uma antropóloga e um urso no coração da floresta siberiana, em 2015. Ele poupou-lhe a vida, mas desfigurou-a. Ela sobreviveu para contar este esmagador recontro, esta história «de um colapso e de uma ressurreição», nas suas palavras. Relato fascinante de que não está ausente a dimensão política – a «guerra fria» entre Leste e Ocidente, travada no corpo de uma mulher, em intermináveis cirurgias e pernoitas em hospitais russos e franceses –, Acreditar nas Feras é não só a história de um encontro entre uma mulher e um urso e do choque de dois mundos – o selvagem e o humano –, mas um livro que questiona a convicção cosmopolita de que tudo à face do planeta deve ser domesticado, normalizado e controlado. Esta obra foi publicada recentemente no Brasil, na Alemanha e integra desde o ano passado a prestigiada colecção da New York Review of Books.  

Nastassja Martin (n. 1986) estudou Antropologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde completou a sua tese de doutoramento sob a orientação de Philippe Descola. É professora no Collège de France. É autora, entre outras obras, de Les âmes sauvages – Face à l’occident, la résistance d’un peuple d’Alaska.

 

 

Memórias Encontradas numa Banheira

Stanisław Lem

23 de Outubro

tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz

romance

 

 

Redenção

Richard Wagamese

23 de Outubro

tradução José Miguel Silva

romance

Jornalista e escritor premiado, autor de doze romances, Richard Wagamese (1955-2017) era uma das vozes cimeiras das Primeiras Nações do Canadá. Membro da tribo Ojibwe, tornou-se o primeiro nativo a receber um prémio nacional de jornalismo, o National Indigenous Achievement Award e o Prémio do Canada Council for the Arts. Filho de pais afastados pelo governo canadiano das suas famílias e que conheceram a triste realidade das residential schools – escolas e orfanatos que tinham por missão integrar jovens de tribos na cultura canadiana ocidentalizada, a custo da perda da sua identidade cultural –, foi também ele abandonado pelos pais. Medicine Walk (2014) é a história do reencontro entre um pai, moribundo e destruído pelo álcool, e um filho, Franklin Starlight, de 16 anos, ambos nativos de tribos canadianas. É também o relato da viagem dos dois pelas deslumbrantes florestas da Colúmbia Britânica, em busca da terra sagrada da tribo, onde o pai tem por último desejo ser enterrado. Uma relação difícil em busca de apaziguamento, numa escrita soberba, o retrato de um pai estigmatizado e vítima de um trauma colectivo: a violência estrutural a que os nativos canadianos se sujeitavam em pleno no século XX, o desenraizamento e a marginalização destes povos, que Eldon Starlight, o pai, carrega como uma cruz ao longo de toda a trama.

 

Carta aos Reis Magos

Fernando Arrabal

6 de Novembro

tradução Júlio Henriques

Depois do êxito 12 Maneiras de Escapar ao Natal, de Roland Topor, a Antígona não podia deixar de assinalar novamente a quadra. Assim, em vez do tradicional peru, convocamos este ano para a ceia Fernando Arrabal, fundador do Grupo Pânico e mestre patafísico, autor de epístolas satíricas como Carta ao General Franco e Carta a Fidel Castro. Em Carta aos Reis Magos (2012), não se faz rogado e trata de pedir a Gaspar, Baltazar e Belchior – compinchas mãos-largas do Oriente – um rol de prendas estapafúrdias, maioritariamente inalcançáveis e utópicas, criticando com um sorriso escarninho estes nossos tempos pejados de absurdidades. Tudo para que não vos faltem ideias para prendas neste Natal.

Uma Autobiografia

Angela Davis

23 de Outubro

tradução Heci Regina Candiani

«Uma autobiografia tão fascinante hoje como há cinquenta anos.» The Guardian

Inclui um novo prefácio da autora à edição norte-americana mais recente, publicada em 2022.

Depois da publicação de A Liberdade é Uma Luta Constante e de As Prisões estão Obsoletas?, Uma Autobiografia (1974) passa a integrar o catálogo da Antígona em 2023. Desafiada a escrever a sua biografia aos 28 anos por Toni Morrison – que viria a editar e a publicar este livro em 1974 – , Angela Davis narra o seu percurso de vida: da infância passada no Alabama à carreira de professora universitária, interrompida por um dos mais importantes julgamentos do século XX nos EUA e que faria dela uma das dez pessoas mais procuradas pelo FBI. Uma Autobiografia transporta-nos para as lutas sociais dos anos 60 e 70 nos EUA pelo olhar de uma das maiores activistas do nosso tempo.

 


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