Os destaques da rentrée

 

Em 2019, a Antígona apaga 40 velas. Prometemos manter a paixão pelos textos subversivos, continuar a empurrar as palavras contra a ordem dominante e dar aos leitores obras que contribuem para a compreensão dos acontecimentos que mudam a sociedade e a nossa vida. Eis a nossa colheita semestral com notas de insolência e aroma a subversão. Para degustar ao longo de 365 dias.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

SETEMBRO

9/9

UMA SOLIDÃO DEMASIADO RUIDOSA (romance) | Bohumil Hrabal

trad. do checo Ludmila Dismanová (edição revista)

«[Bohumil Hrabal é] Um dos maiores prosadores europeus.» Philip Roth

«Um dos maiores escritores checos.» Milan Kundera

«Uma Solidão Demasiado Ruidosa é um livro que deve ser resgatado da letal indiferença que mata a literatura mais eficazmente do que as máquinas mais sofisticadas.» New York Times

«Há trinta e cinco anos que trabalho com papel velho, e é esta a minha love story.» Assim começa Uma Solidão Demasiado Ruidosa (1976), a história do velho Hanta, que tem por ofício prensar e destruir papel, resgatando, no entanto, da hecatombe os livros a que se vai rendendo e as mais belas descobertas em pilhas de papel – de Kant e Hegel a Camus e Lao-Tsé –, todos eles proibidos pelas autoridades. Ao destruir obras, por ofício, e ao resgatá-las, por amor, Hanta protagoniza este romance – também ele censurado e publicado em samizdat – sobre a indestrutibilidade da palavra e o seu poder redentor em tempos bárbaros.

 

O ÚNICO E A SUA PROPRIEDADE (2.ª ED.) | Max Stirner

trad. João Barrento | posfácio José A. Bragança de Miranda

Publicado pela primeira vez em 1844, O Único e a sua Propriedade viu a luz do dia em Portugal numa edição que assinalava os 25 anos da Antígona. Nos 40 anos da editora, surge a aguardada segunda edição. Depois d’ O Capital, de Karl Marx, talvez nenhum outro livro tenha sido tão polémico, alicerçando grande parte da produção teórica ao nível das ideias filosóficas e revolucionárias dos últimos 150 anos. Neste tempo de causas dúbias, Stirner emerge do ruído de fundo da História onde se misturam todas as vozes e vidas, tendo a vida prioridade absoluta e estando para além de todas as fórmulas ou instituições.

 

23/9

A ARTE DE NÃO ACREDITAR EM NADA E LIVRO DOS TRÊS IMPOSTORES organização e prefácio Raoul Vaneigem

trad. Manuel de Freitas

 

 Antes do advento do protestantismo que afrontou a Igreja Católica, já mentes inquietas de ateus e agnósticos fervilhavam na clandestinidade. É isso que revelam os dois opúsculos reunidos nesta edição: A Arte de Não Acreditar em Nada – escrito inflamado que, em 1574, levou o seu autor, Geoffroy Vallée, a ser enforcado em praça pública, e uma herética dissertação que acusa as religiões de obscurantismo e de serem mananciais de cretinos em série e de fiéis fanáticos e ignorantes – e O Livro dos Três Impostores, obra mítica que terá circulado num manuscrito na Idade Média e que injuria Moisés, Jesus e Maomé, desmascarando charlatães versados na oratória e ilusionistas místicos com intenções megalómanas.

 

OUTUBRO

7/10

A COZINHA CANIBAL | texto e ilustrações Roland Topor

trad. Júlio Henriques

 

«Roland Topor é um mestre iconoclasta da irreverência.» — Lucie Servin, L’Humanité.

Se nunca foi avistada em escaparates de livros para bons garfos, ao lado de títulos com mais sex appeal gastronómico, A Cozinha Canibal (1970) serve, no entanto, ao leitor quarenta e três deliciosas receitas antropófagas e modos de preparar o homo sapiens, uma das carnes mais injustamente subvalorizadas. Da saborosa cabeça de patrão com puré a especialidades como míope gratinado e patê de camponês, sem esquecer acepipes como picadinho de missionários com pão ralado – chefes Michelin e comensais de todo o mundo, regozijai com tanta proposta de preparação, apresentação e degustação do vosso irmão. Vegetarianos, abstenham-se!

 Roland Topor (Grand Prix de l’Humour Noir, 1961) é demasiado genial para que possamos traçar a sua biografia em poucas linhas. Muitos tentaram, poucos conseguiram.

A Antígona prosseguirá em 2020 a publicação de obras do autor.

 

O QUÉPI E OUTROS CONTOS | Colette

trad. Manuela Gomes

 O universo envolvente da perspicaz Colette e a sua escrita poética deram-nos os melhores argumentos para o presente quarteto de contos: «O Quépi», «O Rebentinho», «As Gavinhas da Videira» e «Bella Vista». Do luminoso Sul de França às ruas de Paris, da deslumbrante alegoria da mulher-rouxinol presa nas gavinhas da vida aos relatos que fazem tombar as máscaras do quotidiano, O Quépi e Outros Contos celebra odisseias humanas e várias facetas femininas – destinos exaltantes e dolorosos, desafios ao poder masculino, paixões ilusoriamente rejuvenescedoras e amizades traídas –, pela pluma de uma observadora nata que soube ler como ninguém quem a cercava e a fragilidade das relações.

 

21/10

NADJA | O AMOR LOUCO | André Breton

trad. Ernesto Sampaio | trad. Luiza Neto Jorge

A reedição de duas obras fundamentais do movimento surrealista.

Nadja (1928), considerada pelo autor a sua obra-chave, mergulha-nos num ambiente em que sonho e realidade muitas vezes se confundem, fragmentos de imagens que parecem suceder-se ao sabor do pensamento reconstituem a história de uma breve relação do narrador com uma mulher misteriosa por quem nutre sentimentos também eles marcados pela flutuação: ora interesse, paixão e obsessão, ora compaixão e tédio. Fascinante ou vulgar, inteligente ou ingénua, sagaz ou louca, será Nadja, sequer, real?

«Nunca houve qualquer fruto proibido. Só a tentação é divina.» O que é o amor? Como surge? Que acasos, que convulsões, que beleza o desencadeiam? É esta a louca proposta de Breton em O Amor Louco (1937). A partir da história do encontro com uma mulher «escandalosamente bela», Breton vai procurar definir esta emoção, feita de «comunicação entre seres» e carnalidade, e procurar a sua fonte.

 

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NOVEMBRO

 

4/11

FUTEBOL AO SOL E À SOMBRA | Eduardo Galeano

trad. Helena Pitta | edição aumentada

«Homenagem ao futebol, celebração das suas luzes e denúncia das suas sombras», assim é definido este livro pelo seu autor, que, de quatro em quatro anos, por altura do Mundial se fechava em casa durante um mês e pregava na porta uma tabuleta onde se lia: «cerrado por fútbol». Eduardo Galeano, no seu estilo inconfundível, passa em revista os ídolos, as lendas e os episódios marcantes da modalidade, compondo uma história emotiva do futebol, em toda a sua glória. Uma edição actualizada pelo autor, pouco antes do seu falecimento em 2015.

 

18/11

O GANGUE DA CHAVE-INGLESA | Edward Abbey

trad. José Miguel Silva | pref. Júlio Henriques | ilustr. Robert Crumb

 Um clássico, uma obra de culto de um dos pioneiros da ecologia radical, para ler ao som de Neil Young e de Sabotage, dos Beastie Boys. | Rolling Stone

Uma road story ecologista. | Le Monde

Uma obra-prima do anticapitalismo, um mergulho no universo de Easy Rider. | Les Inrockuptibles

 

 

Revoltados com a destruição do Oeste americano pela indústria e pelo governo, quatro insubmissos decidem lutar contra a «máquina»: Hayduke, bebedolas e veterano do Vietname, Doc Sarvis, cirurgião pirómano, a sua bela amante, Bonnie Smith, e Seldom Seen Smith, um mórmone polígamo e guia experiente. A quadrilha começa a destruir pontes, estradas e vias-férreas que cruzam a aridez e, armada simplesmente com uma chave-inglesa e alguma dinamite, afronta assim os garantes da ordem e da moral no encalço dos quatro.

 Escritor e ensaísta, Edward Abbey (1927-1989) partiu em 1944 à descoberta do Oeste americano, onde se apaixonou pelo deserto. Foi guarda-florestal em diversos parques nacionais nos EUA. Ícone da contracultura, recusou um prestigiado prémio da Academia Americana de Artes e Letras, dado que a cerimónia de entrega do galardão coincidia com um compromisso pessoal: a travessia de um rio no Idaho. Consta que as suas derradeiras palavras foram «Sem comentários», e, a seu pedido, jaz eternamente num local desconhecido, no deserto do Arizona.

 

O SOCIALISMO SELVAGEM

Ensaio sobre a auto-organização e a democracia directa nas lutas de 1789 até aos nossos dias| Charles Reeve

trad. Luís Leitão

Lançamento com a presença do autor | Livraria Ferin | 23/11 | 17:30

 O Socialismo Selvagem (2018) é uma cartografia da insubmissão. Num ensaio documental que revisita dois séculos de contestação social (da Revolução Francesa ao Maio de 68, passando pelos comités do 25 de Abril, os sovietes russos e os conselhos revolucionários alemães de 1920), Charles Reeve acompanha-nos, com clareza e detalhe, no caminho escarpado da emancipação, do autogoverno e da democracia directa – com olhos postos em quem procurou alternativas à autoridade da representação permanente.


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